15 de julho de 2011
Disco de Chico Buarque narra crônicas em canções delicadas
Chico Buarque sorri acanhado na capa de seu novo disco. A foto em preto e branco, escrito apenas "Chico", sugere um modelo de recato e melancolia em seu novo trabalho, que chega às lojas no próximo dia 22 de julho. Mas quem abre o digipack, admira-se ao deparar-se com tantas cores.
Por Mariana Tramontina, em Uol
As letras das composições aparecem embutidas numa paleta de 20 tons que enfeitam o encarte sem qualquer imagem. E a simplicidade da arte e do título de seu novo trabalho também colorem as dez canções que compõem "Chico", seu primeiro disco de inéditas desde "Carioca" (2006) --e do romance "Leite Derramado" (2009).
O álbum --que sai pela Biscoito Fino numa estratégia de divulgação online exclusiva para compradores do álbum em esquema de pré-venda, por R$ 29,90 no site www.chicobastidores.com.br-- traz as poesias e crônicas do compositor, escritor e poeta de 67 anos em canções suaves e delicadas, que desfilam em gêneros diversos e pouco lembram a capa melancólica do álbum. Há, sim, variações que se prestam a um caráter reflexivo, mas não necessariamente taciturnas.
A já conhecida "Querido Diário", que desde 20 de junho circula pela internet, abre o álbum com os relatos de Chico sobre as pessoas que o cercam ("hoje topei com alguns conhecidos meus"), as disfunções sociais ("hoje a cidade acordou toda em contramão"), as aflições ("hoje pensei em ter religião"), as relações ("hoje afinal conheci o amor") e as pessoas que teme ("hoje o inimigo veio me espreitar"). "É um novo 'Cotidiano'", compara o próprio compositor com sua música de 1971.
A marchinha de vanguarda "Rubato" (roubado, em italiano), parceria com Jorge Helder e acompanhada por uma banda de coreto, vem na sequência descrevendo o roubo de uma composição de amor que é reciclada para homenagear diferentes amantes, numa alusão à especulação sobre identidade e autoria de seu romance "Budapeste" (2003). "Venha ouvir sem mais demora/ a nossa música/ que estou roubando de outro compositor", ele canta.
O blues "Essa Pequena" introduz a paixão de um homem por uma moça mais nova, emoldurado por piano, violões, baixo acústico e violino. "Sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas/ o blues já valeu a pena", comemora na letra. Em "Tipo Um Baião", Chico brinca com o andamento da canção ao recitar uma desilusão amorosa, e compara: "Meu coração/ que você sem pensar/ ora brinca de inflar/ ora esmaga/ igual que nem/ fole de acordeão/ tipo assim num baião/ do Gonzaga".
A singela "Se Eu Soubesse", uma espécie de chanson française, traz Chico dividindo versos com a cantora curitibana Thais Gulin, de 30 anos, sua suposta nova namorada. "Ah, se eu pudesse não caía na tua/ conversa mole, outra vez/ não dava mole à tua pessoa", ele canta, até encontrar com a voz dela: "Mas acontece que eu sorri para ti/ e aí larari, lairiri, por aí". A parceria não é exatamente original: Chico já havia cedido a canção --até então inédita-- e sua participação para Thais lançar em seu segundo disco, "ôÔÔôôÔôÔ", que saiu em abril.
A faixa 6, "Sem Você 2", abre espaço para o andamento lasso jobiniano e a narração arrastada e triste de um amor que se foi. "Sem você/ é um silêncio tal/ que ouço uma nuvem/ a vagar no céu/ ou uma lágrima cair no chão/ mas não tem nada, não", diz Chico, aqui sim tomado pelo desalento, na música com menos de três minutos de duração.
A tristeza é interrompida pelo samba de gafieira "Sou Eu", canção que Chico escreveu com Ivan Lins e deu a Diogo Nogueira para o disco do novato "Tô Fazendo a Minha Parte" (2009), e que agora ganha a voz do compositor. Aqui, Chico convida Wilson Neves para se gabar de que "sou eu/ só quem sabe dela sou eu/ quem joga o baralho sou eu/ quem brinca na área sou eu".
"Nina", a valsa que ocupa a faixa 8 do álbum, fala de uma figura onírica na distante Moscou que incita o autor a viajar até a capital russa --ou ao menos a espiar a cidade em mapa virtual. "Nina diz que se quiser eu posso ver na tela/ a cidade, o bairro, a chaminé da casa dela", ele canta, levado por um percurso de acordeão, arrematado por um acorde dramático de piano.
As confusões de memória do narrador de "Leite Derramado" recaem na graciosa "Barafunda". "Era Aurora/ Não, era Aurélia/ ou era Ariela/ não me lembro agora/ é a saia amarela daquele verão/ que roda até hoje na recordação", ele canta, lembrando que é carioca ("Foi na Penha/ não, foi na Glória"), evocando futebol ("Era Zizinho, era Pelé") e terminando na companhia de "É Garrincha, é Cartola e é Mandela".
A canção mais longa do disco, "Sinhá", de quatro minutos, encerra o pouco mais de meia-hora de duração de "Chico" ao lado de João Bosco, num clima tão lírico quanto soturno da herança da escravidão permeado apenas por percussões e violões. "E assim vai se encerrar/ o conto de um cantor/ com voz do pelourinho/ e ares de senhor", despede-se Chico em preto e branco.
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