8 de novembro de 2010
No Sítio do Grabóis, Elias Jabour detona "China eleva investimento social para moldar o mercado interno"
Nos últimos anos a China investiu US$ 4 bilhões em um sistema único de saúde, nos moldes do SUS brasileiro, voltado para o interior do país. Este ano, o aumento salarial médio ficará em cerca de 20%. Alguns setores tiveram 100% de reajuste.
As informações são do geógrafo social Elias Jabbour, ex-assessor econômico da Presidência da Câmara dos Deputados. Ele está de mudança para o Rio, onde a partir de 2011 vai ser professor visitante da faculdade de Economia da Uerj.
Para Jabbour, as medidas não são atos de benevolência do governo, mas fazem parte de uma política deliberada para uma guinada para o mercado interno, que inclui a formação de uma rede de proteção social.
Em entrevista exclusiva ao Monitor Mercantil, Jabbour também negou que a China esteja se tornando imperialista em regiões como África e América Latina: "Apesar da questão do emprego, o país está transferindo tecnologia para Nigéria e Angola, onde explora petróleo", disse.
A China está se tornando imperialista? O professor Carlos Lessa chegou a compará-la com a Inglaterra vitoriana.
Não. Existem questões que não se explicam puramente pela economia, ou seja, pelo processo de acumulação. Lessa fala da Inglaterra vitoriana, mas esquece que esta mesma Inglaterra invadiu e saqueou a China, país que nunca foi imperialista.
Há 600 anos o país viajou pelo mundo simplesmente para fazer trocas, ao contrário dos países anglo-saxões e ibéricos. Outra coisa: diferentemente dos Estados Unidos, a relação entre terra e homem na China não foi propícia para uma cultura de dominação do homem sobre a natureza, como no Mediterrâneo Ocidental e outros lugares.
A China se formou com o confucionismo e taoísmo, duas culturas altamente tolerantes. Pelo histórico cultural, não dá para dizer que a China será imperialista. Com exceção do Vietnã, em 1969, a China nunca teve uma guerra fora de suas fronteiras.
Não há risco de a questão econômica se sobrepor à cultural?
A China usou sua água, seu petróleo, seu gás e seus minérios. A partir de um momento, houve uma internacionalização de fatores. A questão é como a China irá conseguir o que precisa para seu suprimento energético. Existem várias formas consagradas pela história, entre eles guerra, dominação cultural e "consensos", como o de Washington, voltado para a satisfação material dos países centrais. Por enquanto, não se vê nenhum consenso na África ou na América Latina impondo câmbio flutuante, juros altos, superávit primário. Ou seja, cartilhas de dominação para que os chineses levem vantagem.
Mas a China está gerando empregos para africanos e latino-americanos?
A questão da geração de empregos precisa ser enfrentada, mas, claramente, os chineses estão transferindo tecnologia para Nigéria e Angola. A presença da China na África e na América Latina tem de ser analisada sob ponto de vista do século XXI, que, na minha opinião, vai ter como base a formação de uma economia continental chinesa nos mesmos moldes da economia continental norte-americana, formada no século XIX. Isso terá impactos surpreendentes no mundo.
A China faz empréstimos para a África sem nenhuma condicionalidade. Dá US$ 10 bilhões para Angola em troca de petróleo, por dez anos, com juros de 1% ao ano. Essa é uma relação imperialista? Acho que não. Existe um salto de qualidade muito grande com a presença da China no mundo de hoje. Sem o país, talvez tivéssemos até hoje o Consenso de Washington escravizando a América Latina.
O modelo chinês conseguirá manter crescimento acelerado voltando-se para o mercado interno?
Sou contra a expressão "modelo chinês". A China pratica o que deu certo em qualquer país periférico, como no Brasil entre 1930 e 1980. Existem leis consagradas de desenvolvimento econômico.
Por exemplo, não há como entrar no jogo do comércio internacional sendo um país periférico, com um processo de industrialização mais fraco que os desenvolvidos, sem se proteger. Isto é lógico.
Mas há atributos do caminho chinês: primeiro, o caráter periférico, que leva a China a se proteger através do câmbio e dos juros; depois, o tamanho do mercado interno. A China pode crescer para fora, a partir de exportações e importações e, de uma hora para outra, girar o compasso para dentro do país. Isso aconteceu durante a crise asiática, quando apelou para o gasto público, como forma de compensar a fragilidade do mercado interno.
Como isso foi feito?
O país investiu U$ 560 bilhões (10% do PIB) em infraestrutura, entre 1997 e 2004. Hoje, a taxa global de investimento na China chega a 45% do PIB. Mas o país tem uma contradição em relação a seus vizinhos asiáticos, que, em geral têm 50% do PIB formado pelo consumo.
Apenas um terço de seu PIB é consumo. Dois terços são comércio exterior e investimentos. Então, a China vai passar por um processo longo de transição de um modelo pautado por investimento em infra-estrutura e exportações para outro, baseado pelo consumo interno. Mas para isso precisa melhorar seu modelo de proteção social. Hoje o chinês é forçado a poupar tudo o que pode por conta da falta de Previdência social.
O que a China está fazendo com relação a isto?
Nos últimos anos a China investiu US$ 4 bilhões em um sistema único de saúde, nos moldes do SUS brasileiro, voltado para o interior do país. Portanto, o resultado vai se dar no médio prazo. Este ano, o aumento salarial no país foi por volta de 20%, até por conta de revoltas, suicídios. Alguns setores tiveram 100% de reajuste. Isso não é benevolência do governo, é uma política deliberada de, no momento em que o mundo anda cheio de incertezas, inclusive uma guerra cambial, começar a pautar o crescimento a partir da economia doméstica.
A China vai ceder e valorizar sua moeda?
Não. A China não é o Japão, que cresceu assustadoramente durante 50 anos sob ocupação estrangeira. Também não é uma Coréia do Sul, que é um semi-Estado nacional. Sempre que a Coréia do Sul intenta uma recuperação, vêm os EUA com seus empréstimos de curto prazo. A China também não é Taiwan. Não irão ceder aos norte-americanos. A tendência é que mexam no câmbio de acordo com suas necessidades e interesses.
O problema do mundo hoje é o câmbio chinês?
Por que não se questiona, por exemplo, uma democracia como a norte-americana, que se mede a partir da capacidade de consumo de seu povo? Se o povo está consumindo bem, a democracia está ótima. Hoje os EUA consomem 40% do petróleo do mundo. Nos últimos anos, gastaram mais de US$ 1 trilhão por ano em uma guerra fora de seu território. O federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) está anunciando que vai emitir US$ 600 bilhões. Será que o problema não é essa capacidade de consumo que obriga os EUA a importarem do mundo inteiro? Se os norte-americanos controlassem seus gastos militares e dessem um pouso suave para o consumo, poderíamos ver melhor quais são os problemas do mundo.
Qual sua expectativa em relação à próxima reunião do G20, na Coréia do Sul?
Creio que a guerra cambial vai prevalecer. Não vejo nenhum acordo no horizonte partindo de propostas como mudar a política cambial chinesa ou os EUA colocarem freios em seu consumo interno.
Enquanto a China investe 10% do PIB em logística, o Brasil não chega a 1%. Poderemos chegar ao mesmo destino escolhendo caminhos tão diferentes?
Comparando com a China, percebemos que aqui enfrentamos falsos problemas, como o gasto público e inflação em plena crise. Metade da inflação aqui é preço administrado e alimentos. Existe também a idéia de que precisamos atrair poupança externa. Se continuarmos neste caminho, vamos inviabilizar o governo Dilma. O Brasil tem cultura de que o governo gasta mal e, ao mesmo tempo, está institucionalizada a liberdade do BC para retirar recursos do Tesouro. Mas vamos aguardar. Lula começou ultra-monetarista e terminou com um modelo híbrido.
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Fonte: Monitor Mercantil
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