6 de julho de 2012

Entrevista: Professor Júlio Guterres fala sobre educação e a luta dos trabalhadores por direitos e justiça social

Segue abaixo entrevista com Professor Júlio Guterres.
Boa leitura!


ENTREVISTA ESPECIAL // Professor Júlio Guterres

1. Nos últimos meses, o Maranhão, por diversas vezes, foi tema de noticiário nacional, com relatos de casos de precariedade na educação pública do estado. O próprio Sinproesemma denunciou diversas situações de descaso com a educação, tanto nas redes municipais como na rede estadual. Como o senhor avalia esse quadro, principalmente, levando em conta que o Maranhão é beneficiado com recursos de complementação do Fundeb, tendo recebido, somente em maio deste ano, mais de R$ 133 milhões?

R – Infelizmente o nosso estado tem as piores notas em matéria de Educação, especialmente quando diz respeito à rede pública. E isso inevitavelmente vai engrossar o noticiário como exemplo do que não deve ser feito. São escolas funcionando em casebres, carência de educadores, professores que não recebem o piso salarial previsto em lei e merenda escolar que não chega aos alunos. A razão principal é falta de compromisso político dos gestores – prefeitos, secretários, vereadores, deputados e governador – com o ensino público, a juventude e com o próprio povo maranhense. A educação é valorizada apenas nos palanques de campanha. Os recursos existem e dariam para oferecer ensino decente, de qualidade. Os educadores, como os estudantes, lutam por mais verbas para educação. Cobram 10% do Produto Interno Bruto (PIB), é verdade. Mas os atuais recursos já permitiriam tirar a educação da indigência. O Sinproesemma tem denunciado essa situação por meio de seus instrumentos de comunicação, como o programa diário de rádio e jornal da entidade, e levado ao conhecimento do Ministério Público esse descaso. Também tem incluído em suas pautas de reivindicações a cobrança da valorização da educação. Não dar para pensar na transformação do Maranhão sem ensino público de qualidade.

2.Muitos gestores alegam que não têm dinheiro para pagar o piso aos professores e para a construção de escolas dignas aos estudantes. Esclareça aos trabalhadores em educação e à sociedade em geral como deve ser feita a aplicação desses recursos do Fundeb.

R – O Fundo de Manutenção e Valorização do Magistério (Fundeb) foi uma conquista da sociedade atingida em 2008, quando o presidente sancionou a lei criando esse mecanismo que hoje financia do ensino infantil ao ensino médio. O Fundo é uma espécie de cesta de recursos oriundos de vários impostos, alguns de âmbito federal e outros de caráter estadual e municipal. A União é encarregada de fazer a arrecadação e distribuição de acordo com o número de alunos matriculados nas diversas redes de educação. Também cabe ao governo federal fazer a complementação, quando os recursos de um estado sejam insuficientes para atender ao valor aluno/ano. Dos recursos repassados, no mínimo 60% deve se destinar ao pagamento dos professores. O Fundeb também não pode ser empregado em outro setor da administração. É a chamada verba carimbada. Mas há prefeito que pegam a verba do Fundeb e manda, por exemplo, asfaltar ruas. Isso não pode, mesmo que seja a rua da escola. Para fiscalizar a aplicação do dinheiro da educação a lei prevê a criação de Conselhos, com participação de pais e educadores. Infelizmente, muitos conselhos são coagidos e deixam de cumprir o seu papel.


3.A qualidade do ensino é um problema grave em nosso estado. No povoado Bela Vista, por exemplo, que faz parte do município de Bacabal, região do Médio Mearim, há vários casos de alunos que concluíram os primeiros quatro anos do ensino fundamental sem saber ler e resolver operações básicas de matemática. A que fator o senhor atribui isso?

R-À falta de uma boa base, advindo na educação infantil. Especialistas já demonstraram que é aí que reside a chave para o êxito na vida escolar e acadêmica. Muitos professores dos ensinos fundamental e médio, e até mesmo do nível superior, se desgastam tentando superar lacunas do alunos que não tiveram educação infantil. E o que os municípios. Dão pouca importância a ela. A prefeitura de São Luís, a capital do estado, tem sob a sua administração direta apenas duas creches com educação infantil. Delegou a escolas comunitárias a tarefa de assegurar a educação infantil. Muitas vezes as escolinhas não têm estrutura e profissionais adequados. Transformam-se em depósito de crianças, que ficam ali enquanto pais e mães ganham o pão de cada dia.

4.A questão da falta de concurso público é um fator forte que interfere na qualidade do ensino? Como?

R-Sem dúvida alguma. Como regra geral prevista em lei, o concurso público assegura a escolha dos melhores profissionais ao mesmo tempo em que lhes assegura a estabilidade necessária para se qualificar, construir uma carreira. No caso específico da educação, o concurso público assegura o planejamento continuado tão necessário ao processo ensino-aprendizagem. É um verdadeiro o que, por exemplo, o governo do estado pratica fazer contratos temporários de cerca de 10 mil professores. É crime contra os direitos dos trabalhadores, pois os contratos precarizam as condições de trabalho, aviltam os salários. Um contrato recebe menos da metade de um profissional efetivo. Também é crime contra o futuro da juventude. Centenas de milhares de estudantes são orientados por professores que são contratados após meses do início do ano letivo e sequer sabem se poderão completar a jornada anual de 200 dias. Muitas vezes, os critérios não objetivos permitindo a indicação política, prática que a Constituição Federal de 1988 pretendeu varrer do país. Nem sempre o escolhido é o mais preparado.

5. A crise na rede pública estadual de educação, registrada neste primeiro semestre de 2012, com a falta de professores na maioria das escolas, é um exemplo típico de consequências provocadas pela falta de concursos públicos. Como o senhor avalia essa situação?

R-Essa é situação que há muitos anos o Sinproesemma tem denunciado, reivindicando a realização de concurso público com vagas suficientes para atender à demanda da rede estadual. Hoje ela é de cerca de 10 mil professores. Concursos com duas ou três mil vagas são insuficientes para atender às necessidades. Também temos cobrado a convocação de todos os excedentes dos certames realizados. Mas quando isso é, enfim, feito, uma grande de profissionais já se aposentou, criando novo déficit. É preciso ousar. Tirar do papel o discurso da educação como prioridade. Investir pesado. Somente assim o Maranhão dará um salto de qualidade social e profissional. É preciso que o Ministério Público aja com determinação. Temos feito gestões junto à Promotoria especializada, mas o resultado tem sido tímido.

6. Estamos em um ano eleitoral. Esse cenário negativo na educação do Maranhão, o senhor acredita que pode mudar com a existência de políticos comprometidos com a educação pública? Diante disso, que orientações o senhor daria à sociedade na próxima escolha de seus representantes políticos?

R-Creio que as eleições sejam o momento privilegiado para debater as políticas públicas. Dentre elas, destaco a questão da educação. Além de ser a área em que militamos hoje em dia, educação é o tipo de ação que repercute nas outras áreas: saúde, trabalho, cultura etc. É esse debate que assegura que sejam escolhidos os melhores gestores. Sindicatos, associações comunitárias e entidades da sociedade civil devem mergulhar de cabeça na discussão sobre qual educação nos temos e qual a que precisamos. Pressionar os candidatos para assumam compromissos com uma Agenda Educacional: educação infantil, concurso, formação continuada, estrutura física adequada, material didático, merenda escolar, modelo pedagógico são alguns dos itens que devem compor essa carta de compromisso. Por meio dela, é possível avaliar aqueles que, por suas histórias, podem fazer mudanças profundas no ensino público de cada município. O eleitor não pode aceitar trocar o seu voto por promessas de campanha, como um quilo de leite, mas que em troca mantêm escolas fechadas, caindo aos pedaços e sem professores.

7. A questão da jornada de trabalho dos professores. A Lei do Piso garante pelo menos um terço da atual jornada de 20 horas dos professores da rede estadual para atividades pedagógicas extraclasses, mas o governo do Estado não cumpre ainda essa decisão judicial. Avalie esse direito adquirido pelo professor, relacionando à questão da qualidade do ensino público.

R-Essa deveria ser uma medida que nem precisaria de lei para ser instituída. É obvio que as atividades do professor não se restringem aos 50 minutos em sala de aula. O conteúdo a ser ministrado diariamente precisa ser preparado, não só quanto ao conteúdo, mas também no que diz respeito à forma e aos recursos didáticos a serem utilizados. É preciso ter tempo também para elaborar as avaliações a serem aplicadas e depois para conferir se as respostas são as corretas. Tudo isso faz parte da atividade do profissional da educação. É isso que vai conferir qualidade ao ensino público, que muitas das vezes fica em desvantagem quanto ao privado, que já realiza isso sistematicamente. É inexplicável a resistência do governo do estado e dos prefeitos em instituírem essa prática.


8. O 4º Congresso dos Trabalhadores em Educação Pública do Maranhão (Contema) reuniu um grande número de educadores , em São Luís, em março deste ano. Qual a importância desse evento para a educação pública do estado?

R-A quarta edição do Contema foi um momento particular de reflexão da categoria sobre a sua luta e a luta pelo ensino público gratuito, universal e de qualidade. Por não ser um congresso eleitoral, houve mais tempo para o debate sobre a educação. Também estamos em um momento de amadurecimento. Antes a categoria voltava-se exclusivamente para o corporativismo e para as questões salariais. Hoje, compreende que a sociedade apoia a luta pela valorização profissional, mas quer os educadores sobre o seu fazer, que é ensinar. O Contema abriu amplas perspectivas para a categoria, que saiu mais preparada para enfrentar o dia a dia em cada município. Ao final, o clima era de muito ânimo.

9.A greve de 2011 resultou em alguns avanços na luta dos trabalhadores em educação, mas a questão do Estatuto do Educador ainda é um entrave. Como o senhor avalia os avanços e o impasse em relação ao Estatuto?

R-O processo de elaboração do projeto de Estatuto do Educador foi enriquecedor para a categoria. Foram centenas de reuniões, seminários e assembleias. A categoria participou ativamente nas proposições. Mas a luta não cessou. Está nas mãos do governo do estado uma proposta elaborada após conflitos e consensos. É natural que nem tudo seja o que categoria gostaria que fosse, nem aquilo que pretendia o Poder Executivo. Mas é hora do projeto de Estatuto do Educador ser encaminhado à Assembleia Legislativa, onde haverá novos debates, e talvez modificações. A categoria tem que permanecer mobilizada para esses novos embates. De lá é que sairá a lei a ser submetida à sanção da governadora Roseana Sarney. A direção do Sinproesemma percebe certa marcha lenta do governo, talvez para ganhar tempo no cumprimento das novas regras. Mas já demos um prazo: se até o final de julho o Estatuto do Educador não for aprovado, o segundo semestre de 2012 não começará em agosto. Não queremos causar transtornos aos estudantes, mas também não vamos deixar o governo fazer jogo de cena.


10.Como dirigente da CTB estadual, como o senhor avalia a presença de uma central como a CTB no apoio às lutas sindicais do estado?

R-A construção da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) no país, e no Maranhão, foi um marco histórico no movimento sindical. Superamos o aglomerado de entidades sem muita definição política, que oscilava entre a luta e a conciliação com o governo, ao sabor dos interesses de um partido político e criamos um instrumento de luta classista e unitária, com perspectiva avançada de luta pelo socialismo. Hoje, poucos anos após ser organizada, a CTB é a central que mais cresce, agregando o que há de mais avançado e combativo no movimento sindical. No Maranhão, por exemplo, a CTB encabeçou o movimento de apoio à greve dos policiais e bombeiros militares contribuindo para sua organização. Também lidera a Campanha pela Devolução do Hospital Carlos Macieira aos servidores estaduais.

11.O que significa a unicidade sindical e qual a importância da campanha pela unicidade sindical deslanchada pela CTB no início deste ano?

R-A unicidade sindical é a menina dos olhos do movimento dos trabalhadores. É uma lição básica de mais de um século de lutas. É a síntese daquela palavra gritada em passeatas: trabalhador unido jamais será vencido. Mas há dirigentes sindicais, que devido a outros interesses, esqueceram a lição. Querem dividir os trabalhadores em nome de uma pretensa liberdade sindical. Como enfrentar o Capital e os governos representantes desse Capital divididos? Seríamos mais fortes? Os educadores estaduais, metalúrgicos e rodoviários do Maranhão já deram provas de que sua força vem da unidade que têm por meio de sua representação sindical. Não podemos dar aos governos e patrões a possibilidade de decidirem com quem negociar, escolhendo o mais fraco. Os trabalhadores em educação jê enfrentaram tentativas de divisão. Todas foram refutadas.

Um comentário:

José María Souza Costa disse...

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