6 de julho de 2012

No faro do crime, Roberto Kenard diz que jornalista pode ter sido "vítima de relações perigosas"

Conforme os depoimentos vão sendo feitos e tornados conhecidos, dá para perceber que o jornalista Décio Sá esteve junto, conheceu e tratou com gente de alta suspeita. Não haveria problema algum se essa gente fosse fonte do jornalista.
Os depoimentos colhidos até aqui, porém, provam que não se tratava disso. Essa gente do subterrâneo não era fonte do jornalista. Décio Sá, como veremos, passou a esconder (filtrar, conforme consta de depoimentos) notícias de algumas dessas pessoas. A pedido de terceiros ou por meio de alguma vantagem, não importa. Importa que deixou o jornalismo de lado e fez o que não deveria. Caiu na armadilha das relações perigosas, como venho chamando.


No dia 13 de junho escrevi, em primeira mão, que Décio Sá tinha estado com Gláucio Alencar (o leitor pode rever aqui). Algumas pessoas negaram, entre elas alguns blogueiros. O depoimento do próprio Gláucio Alencar confirma, agora, o que escrevi. Ambos tiveram, sim, contato. No post em questão, a fonte que me passou os dados me fez errar no seguinte: teriam sido jornalistas que levaram Décio até Gláucio. O que não desmente o acerto de que ambos estiveram juntos.

Como Décio Sá foi brutalmente assassinado, sei que estúpidos, pilantras e oportunistas de toda ordem fingem acreditar que o melhor é dizer que Décio Sá era um santo. Discordo completamente. Digo que o crime é brutal e deve ser esclarecido a qualquer custo. Mas se para isso for necessário expor coisas desagradáveis do comportamento do morto, terei de preferir a não solução do caso? Jamais.

Tenho repito ao extremo que o subjornalismo do Maranhão saltou para a internet. Escrever virou sinônimo de esconder. Claro, para alguma vantagem tirar disso. Já disse, inclusive, que acredito que nenhum outro Estado tenha mais blogues de política do que o Maranhão. É a mina de ouro. Funciona assim: alguém escreve denunciando, o pilantra denunciado procura o denunciante, e um acordo vantajoso para as duas partes é selado. Só vagabundo pode chamar a isso de jornalismo. Como escrevi, creio que uma semana antes do cruel assassinato de Décio Sá (o leitor pode procurar nos arquivos do blog), o subjornalismo de chantagem tem tudo para acabar em tragédia. Naquela ocasião, como agora, não me referia a Décio Sá. Generalizava para atingir o âmago. Anotem: mesmo após a morte de Décio a coisa não mudou.

Faço todas essas digressões para entrar na última parte da análise do depoimento de Gláucio Alencar. Ali, como vocês verão, pode-se perceber, lamentavelmente, que Décio Sá enveredou por caminhos perigosos. Tão perigosos que resultaram em seu brutal assassinato. Dizer que Décio entrou numa fria não quer dizer que deveria ser assassinado. Dizer que o caminho escolhido por ele o levou ao cadafalso está infinitamente distante de dizer que ele merecia o fim que teve. Nem precisava fazer esses esclarecimentos. Ter de dizer isso somente mostra os lamentáveis tempos em que vivemos.

Ao que interessa.

Décio Sá foi levado a escrever sobre o assasinato de Fábio Brasil por Telmo Júnior.

Quem é Telmo Júnior? Até há poucos instantes, antes de acessar o blog de Marco D’Eça, eu não fazia a menor ideia. Mas ali, no blog do jornalista D’Eça, fiquei sabendo que se trata do irmão da desembargadora Nelma Sarney. E, segundo o blog de D’Eça, Telmo e Gláucio disputavam terreno nos mesmos negócios. Nem preciso dizer que se trata de negócios sombrios.

No depoimento de Gláucio Alencar à polícia e aos representantes do Ministério Público, fica claro que Décio Sá, ao publicar a notícia do assassinato de Fábio Brasil, muitos interesses se viram em polvorosa. Tanto que o advogado enroladíssimo Ronaldo Ribeiro fez contato com Décio. Este disse-lhe que num comentário ao post da morte de Fábio Brasil alguém teria dito que por trás estariam Gláucio e seu pai, Miranda.

E o que houve? Décio Sá disse a Ronaldo Ribeiro que “filtrara” a informação. Ou seja: Décio Sá escondeu uma denúncia (mesmo vinda num comentário a um post). Poderia tranquilamente guardar a denúncia, afinal um comentário quase sempre anônimo ser publicado é irresponsabilidade. Mas, conforme o depoimento do próprio Gláucio, a partir dali (dois post depois) Décio Sá fez de conta que não havia a morte de Fábio Brasil. Começava a prestar serviço a seus futuros algozes.

Bom, ainda nas pegadas do depoimento de Gláucio, tratou-se do contato direto com Décio Sá. Primeiramente Gláucio procurou o amigo Fábio Câmara. Ligou para este e de manhã cedo foi bater na casa do assessor de Ricardo Murad, conforme Fábio é descrito no depoimento. Ali trataram do seguinte: Câmara precisava aproximar Décio de Gláucio. Era preciso a todo custo parar com a associação dos nomes de Gláucio e Miranda ao assassinato de Fábio Brasil em Teresina.


Fábio Câmara pegou carona com Gláucio até o Farol da Ilha, sendo que no trajeto (eu estou repetindo sem mudanças o depoimento de Gláucio) ficou acertado que Gláucio ligaria para Fábio Câmara depois do almoço e que Câmara se comprometia a proporcionar o encontro entre Décio, Ronaldo Ribeiro e Gláucio. Mas quem terminaria por fazer o encontro seria o advogado Ronaldo Ribeiro (Câmara tinha um compromisso). No

depoimento, Gláucio diz claramente que Ronaldo tinha grande influência sobre Décio Sá. Bem, é impossível imaginar que Décio Sá não soubesse das transações e ligações perigosas de Ronaldo Ribeiro e Gláucio. Tanto que Décio, Ronaldo e Gláucio acabaram se encontrando. E onde? No apartamento de Ronaldo na Península da Ponta da Areia.

No apartamento de Ronaldo Ribeiro, ainda conforme o depoimento de Gláucio, ficou acertado que Décio Sá não iria mais publicar matérias relacionando Gláucio Alencar e o pai deste, Miranda, ao assassinato de Fábio Brasil.

Aí é feita a pergunta capital a Gláucio no depoimento:


-Houve algum tipo de proposta financeira ou de vantagem auferida para Décio, para que ele não mais publicasse essas postagens?

Gláucio Alencar responde que o pedido foi feito pelo advogado Ronaldo Ribeiro, “pessoa que tinha bastante influência sobre Décio”, daí Gláucio não saber precisar se houve algum acerto nesse sentido.

Ora, do ponto de vista da defesa de Gláucio, a resposta é perfeita. Se ele responde que houve acerto financeiro, sem dúvida estaria assumindo que comprara o silêncio do jornalista. Daí que ele fez questão de dizer da forte influência de Ronaldo sobre Décio. Para depois afirmar que, se houve acerto, foi entre os dois.

Mas não há como esconder algum tipo de acerto, pois logo depois Gláucio diz que não teve mais contato com Décio, e é categórico ao dizer que a partir dessa conversa “nenhuma postagem mais fora publicada sobre o assunto”. Ou seja, mesmo tentando esconder algum tipo de acerto, Gláucio faz valer o ditado: para bom entendedor meia palavra basta. A não ser que a polícia do Maranhão seja absolutamente incompetente para entender meia palavra.

Está claro que o polvo do grupo tinha seus tentáculos dentro de blogues, como deputados, prefeitos e o governo têm. Tanto que nessa parte do depoimento a polícia volta ao blogueiro Marcelo Vieira, aquele do primeiro post sobre o depoimento de Gláucio.


A polícia pergunta se Gláucio tem conhecimento de que o advogado Ronaldo Ribeiro procurou o blogueiro Marcelo Vieira para este retirar do blog aquela velha denúncia de que Gláucio e seu pai Miranda estavam no negócio de agiotagem e recebiam informações privilegiadas do delegado da polícia federal Pedro Meireles. Claro, Gláucio diz que “não tem nenhum conhecimento dessa história”. Gláucio estava muito bem orientado para não cair em armadilhas, muito embora, como mostrei mais acima, tenha entragado o jogo sem querer.


Uma coisa está certa – independente das pessoas que sinceramente sentem a morte de Décio e dos oportunistas e picaretas ouvidos pela polícia – : Décio Sá, como muitos blogueiros por aí, não pensou duas vezes em participar de acordos com um bando que não tem o menor respeito pela vida. Não tinha a menor ideia de que isso lhe custaria a vida.

Fonte: Blog do Kernard

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